Para acessar o livro, clique aqui.
Marcio Lauria Monteiro
Uma Mesa de Abertura e outra de Encerramento; quatro Mesas Redondas, totalizando dez convidados de sete organizações políticas diferentes e três independentes; dez Seminários Temáticos, totalizando quarenta e uma comunicações apresentadas; pessoas de sete países diferentes (Brasil, Argentina, EUA, Cuba, França, Grécia e Colômbia); cerca de trinta horas de transmissões ao vivo, que, no momento da escrita deste texto (junho de 2022) totalizam cerca de oito mil e quinhentas visualizações no YouTube. Esses são os números do Evento Online Trótski em Permanência 2021, realizado entre os dias 2 e 6 de agosto, em um momento em que ainda vivíamos as agruras da pandemia de COVID-19, donde seu formato online.
Muito provavelmente, tratou-se do maior evento dedicado a Leon Trótski e ao trotskismo já realizado – ao menos nesse formato, de mesas redondas e apresentação de comunicações baseadas em trabalhos de pesquisa. Certamente, o formato online contribuiu para o tamanho do evento, porém, isso não lhe retira mérito, especialmente se considerarmos que foi realizado sem nenhum tipo de apoio financeiro para além de contribuições voluntárias de alguns dos participantes (aos quais agradecemos imensamente) e que a divulgação foi feita no “boca a boca”, ainda que algumas poucas organizações políticas tenham dado uma contribuição, repercutindo o evento em seus sites e redes sociais.
Independentemente desses números, contudo, o que mais importa foi a enorme qualidade dos debates ali travados, seja nas Mesas ou nos Simpósios Temáticos – tanto entre os apresentadores, quanto também da parte do público, que participou ativamente através de questões e comentários por escrito. Encerrado o evento, nós organizadores nos sentimos extremamente satisfeitos com o que havíamos alcançado: a construção de um espaço de ricas reflexões sobre o legado de Trótski e do trotskismo.
As Mesas foram montadas com temas que traziam a reflexão sobre a atualidade do legado de Trótski e do trotskismo e priorizaram entre os convidados militantes com reflexões sobre tais temas, independentemente de vinculação a universidades ou institutos de pesquisas:
– Mesa de Abertura, com Ântonio Rago Filho (PUC-SP, ativista independente), que apresentou a palestra “Da Comuna de Paris à Trótski”;
– O trotskismo hoje, com Diana Assunção (MRT), João Machado (Comuna/Psol) e Vera Lúcia (PSTU);
– Stalinismo e neostalinismo, com Felipe Demier (Resistência/Psol), Robério Paulino (independente no Psol) e Sean Purdy (então independente no Psol);
– História do Trotskismo, com José Castilho de Marques Neto (historiador e ativista independente), Mercedes Petit (UIT-CI) e Serge Goulart (Esquerda Marxista/Psol);
– Mesa de Encerramento, com Frank Hernandez García (blog/revista Comunistas, Cuba), que falou sobre “A situação de Cuba hoje”.
Por sua vez, os Simpósios Temáticos seguiram o mesmo princípio, de priorizar temas que trouxessem para a atualidade as reflexões sobre o trotskismo, para que se evitassem reflexões desvinculadas de uma preocupação com a praxis revolucionária, e sem necessidade de vinculação dos comunicadores a instituições universitárias ou de pesquisa, bastando, para serem selecionados, terem apresentado uma proposta bem embasada. As quarenta e uma comunicações apresentadas versaram sobre os mais diversos temas, vinculados a Trótski e ao trotskismo: artes; educação; ciência e tecnologia; questão nacional; questão sindical; fascismo e como combatê-lo; opressões específicas e luta contra o machismo e o racismo; questões de estratégia revolucionária; conceito de bonapartismo; teoria do desenvolvimento desigual e combinado e teoria da revolução permanente; questão dos Estados operários e do stalinismo; atuação de trotskistas em processos revolucionários (Bolívia, Vietnã, Cuba, Portugal); história do movimento trotskista no Brasil, na Argentina e a nível internacional.
Cabe ressaltar que se tratou de um evento bastante plural do ponto de vista político dentro do campo do trotskismo, tanto na composição das Mesas de convidados quanto na dos Simpósios Temáticos de comunicações. Ter essa pluralidade foi desde o início uma intenção dos organizadores. Não poderia ser diferente, dado que a proposta era promover debates e reflexões sobre o legado de Trótski e do trotskismo que contribuíssem para o necessário balanço do que houve com tal legado, que hoje é formalmente reivindicado por uma miríade de pequenas (muitas vezes, microscópicas) organizações nacionais e internacionais muito diferentes entre si.
Como surgiu a iniciativa do evento? O Evento Online Trótski em Permanência teve sua primeira edição realizada em agosto de 2020. Tratou-se, inicialmente, de uma forma de compensarmos, muito parcialmente, a impossibilidade de realizarmos o II Encontro Internacional Leon Trotsky, que estava previsto para ocorrer em julho daquele ano, em São Paulo, porém foi suspenso devido à pandemia de COVID-19. Essa edição de 2020 foi consideravelmente menor, consistindo de três Mesas Redondas com alguns dos convidados que já haviam confirmado presença para o II Encontro Internacional. Com o sucesso desse evento e a continuidade da pandemia, optamos por fazer uma segunda e mais ousada edição em 2021.
Por sua vez, o evento que estava originalmente planejado para 2020 seria uma continuidade do I Encontro Internacional Leon Trotsky, ocorrido em Havana, Cuba, em maio de 2019. Impulsionado por Frank García Hernandez, militante comunista cubano e pesquisador da história do trotskismo em Cuba, esse evento reuniu pessoas de diversos países para debaterem o legado de Trótski e do trotskismo, bem como sua importância para a compreensão da realidade cubana. Uma compilação de quase todas as comunicações lá apresentadas pode ser encontrada no livro Trotskismos em Cuba, Retrato de um Encontro, organizada por Flo Menezes e publicada em 2021, na forma de e-book, e disponibilizada em formato físico em 2022, ambas pela Nojosa Edições.
Durante o evento em Cuba, houve uma rica troca de experiências e saberes entre os que lá estavam, perpassada pelas inevitáveis, saudáveis e necessárias polêmicas em torno do legado de Trótski e do trotskismo e dos sentidos da sua atualidade como guia para a interpretação da realidade e para ação revolucionária socialista. A partir das trocas lá ocorridas, um grupo de brasileiros deixou a ilha com a tarefa de organizar uma segunda e ainda maior edição, em São Paulo, no ano seguinte.
Quando a pandemia teve início, o II Encontro já estava sendo organizado, com convidados confirmados para as Mesas Redondas e com quase cinquenta propostas de comunicações, vindas de seis países diferentes, para serem avaliadas para comporem os Simpósios Temáticos do evento. Foi o desejo de manter viva a chama do I Encontro e não deixar totalmente de lado a proposta de realizar um II que levou à organização dos eventos online de 2020 e 2021. A tarefa foi levada à cabo pelo Comitê Organizador Mário Pedrosa, originalmente composto pelos brasileiros que se encontraram em Cuba e que foi sendo expandido ao longo do tempo.
Com a presente publicação, esperamos preservar e divulgar a memória do Evento Online de 2021 e as muitas e ricas contribuições que circularam pelos seus dez Simpósios Temáticos. Com esse livro, pretendemos, tal qual na empreitada de organizar o evento, contribuir humildemente para a hercúlia, porém incontornável, tarefa de reorganização das forças socialistas revolucionárias. Pois, conforme a pandemia mais uma vez o demonstrou, só há dois caminhos possíveis: a revolução socialista ou a barbarização imposta pelo capitalismo.
Não há revolução vitoriosa sem partido e sem programa revolucionário. Diante da necessidade de construção destes, avaliar o legado da Revolução Soviética, da Oposição de Esquerda e da Quarta Internacional é um passo fundamental para que não recomecemos do zero. Há muito o que aprendermos com as análises, posições e batalhas travadas pelos revolucionários que vieram antes de nós – o que não significa, de forma alguma, uma transposição mecânica de seu legado para o presente, reduzindo-o a fórmulas de pronta aplicação (nada poderia ser menos dialético do que isso, ainda que seja esse o caminho seguido por muitos que se reivindicam trotskistas).
Há muito não existe mais a Quarta Internacional, e os que reivindicam seu legado possuem posições muito diversas e, frequentemente, avessas aos fundamentos dela, quais sejam: uma linha inegociável de independência de classe; um método programático que não caia nem no maximalismo abstrato nem no economicismo reformista (o método do Programa de Transição); o internacionalismo proletário como princípio político, método analítico e forma organizativa; a noção básica de que a burguesia há muito se encontra impedida de cumprir qualquer papel revolucionário, mesmo na periferia capitalista, cabendo ao proletariado a realização das tarefas “nacional democráticas” pendentes, em combinação com as propriamente socialistas (a estratégia da Revolução Permanente); a defesa incondicional frente à contrarrevolução capitalista externa ou interna daquelas formações sociais que se originaram de revoluções do pós-Segunda Guerra (os Estados operários burocratizados); e a defesa da revolução política contra as ditaduras burocráticas que se instalaram nessas formações sociais.
Esperamos, com o Evento Online Trótski em Permanência, termos contribuído, em alguma medida, com o resgate, balanço crítico e instrumentalização para o presente dessas e outras contribuições fundamentais de Trótski e do trotskismo.
Viva Leon Trótski!
Viva o socialismo revolucionário!
N.B.: Ao longo deste livro o nome de Trótski aparece grafado de diferentes formas (Trótski, Trotsky, Trotski etc.). Optamos por preservar a grafia escolhida por cada autor, ao invés de impor uma padronização, pois as múltiplas formas de grafia não atrapalham a compreensão e não há, de fato, um padrão reconhecido e bem estabelecido, por mais que haja normas de transliteração (as quais, diga-se de passagem, se forem seguidas, levam a uma grafia bastante incomum para o leitor brasileiro).